No último sábado (30), 122 atletas aguardavam a sua vez de competir em uma das pistas mais prestigiadas do mundo. Cerca de dois terços deles vieram de 14 países dos cinco continentes para participar em um dos maiores eventos de corrida do seu esporte.
Esses corredores não usavam tênis — porque são cavalos. A Copa do Mundo de Dubai distribui US$ 30,5 milhões em prêmios, divididos por nove corridas (incluindo o evento homônimo, com um enorme prêmio de US$ 12 milhões), e atrai muitos dos jóqueis de elite do mundo.
Enquanto as corridas duram apenas alguns minutos, o transporte dos cavalos leva meses de preparação e centenas de pessoas.
“Essa é uma operação enorme”, disse John Nicholls, gerente de quarentena do Dubai Racing Club. Nicholls e sua equipe são responsáveis por garantir a saúde dos cavalos desde o momento em que eles pousam na cidade até sua volta, e supervisionam os estábulos de quarentena do clube de corrida no Hipódromo de Meydan, avaliado em US$ 1 bilhão.
“É basicamente cinco estrelas”, diz Nicholls. “Eles recebem muita água, muito feno e atenção”.
Econômica, executiva ou primeira classe
O sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, governante de Dubai e ávido fã de corridas de cavalos, tem seu próprio Boeing 747, que normalmente transporta todos os cavalos de corrida para o evento dentro e fora da cidade.
“Infelizmente, o avião está em manutenção no momento, então os cavalos estão voando em voos comerciais. Não é uma grande diferença, mas é muito mais conveniente para nós termos nossa própria aeronave”, diz Nicholls.
Os cavalos viajam em baias com ar-condicionado no compartimento de carga de um avião, que pode acomodar até 25 baias, com um máximo de três cavalos em cada. No mundo equestre, eles chamam isso de classe econômica, com dois por baia sendo a classe executiva e um por baia o equivalente a voar de primeira classe, diz Nicholls.
Nos aviões da Emirates, os cavalos andam em baias feitas sob medida, com tetos ajustáveis, coberturas de ventilação para controlar a luz e a temperatura e pisos de borracha antiderrapantes — “o equivalente equino às viagens em classe executiva”, independentemente de quantos estejam na baia, diz Nadeem Sultan, vice-presidente sênior de planejamento de carga e fretados da Emirates SkyCargo.
Mas, ao contrário dos passageiros humanos, mais espaço nem sempre os torna mais confortáveis, diz Suné Schäffler, gerente geral da Equitrans, um serviço de logística equestre que trabalha com o Dubai Racing Club para transportar os cavalos.
“Eles são animais de rebanho, então querem estar próximos uns dos outros, principalmente quanto mais jovens forem os cavalos. Desde que consigam ver o cavalo que está ao seu lado, estarão bem”, diz Schäffler.
Cavalos maiores podem precisar de mais espaço, mas nem sempre é o caso: “Certos cavalos têm comportamentos de viagem diferentes. Podem ser pequenos, mas são um pouco explosivos, por isso precisam de espaços maiores”, diz ela. Outros ficam claustrofóbicos e agitados se tocarem nas laterais de sua baia, por isso recebem mais espaço para evitar que entrem em pânico e se machuquem.
Cuidadores profissionais, ou tratadores de cavalos, acompanham os animais durante todo o processo de carregamento e viagem, junto com um veterinário. A decolagem e pouso são os momentos mais difíceis e quando é mais provável que ocorram problemas. Os cavalos costumam usar itens de proteção, como meias para apoiar as articulações ou capacete para suavizar solavancos — e até mesmo protetores de ouvido, se ficarem incomodados com ruídos altos.
Os cavalos recebem água durante todo o voo, mas não são alimentados com as refeições típicas. No entanto, mantê-los ocupados é essencial para um voo sem estresse, diz Schäffler, por isso os cavalos recebem frequentemente feno ou grama para mastigar.
Em geral, porém, os cavalos viajam “muito bem”, especialmente aqueles que estão tão habituados a isso como os atletas internacionais, diz Schäffler: “Os cavalos são realmente muito fáceis”.
São as pessoas — e as grandes quantidades de equipamento que trazem — que causam a maior pressão nas equipes de transporte, diz Nicholls. Ele estima, de forma conservadora, que pelo menos 5 mil quilos de equipamento viajaram com os 82 cavalos este ano, desde itens de montaria até comida, além do próprio abastecimento de água durante a estadia.
“As pessoas trazem todo tipo de coisas que realmente não precisam”, diz Nicholls. Ele lembra que uma pessoa voou com uma caixa tão grande que o aeroporto não tinha uma empilhadeira de tamanho suficiente para movê-la, enquanto outra trouxe uma arca de metal antiga cheia de equipamentos extras de montaria.
Todo o equipamento também tem que passar pela alfândega e, quando as coisas não estão claramente etiquetadas, provocam enormes atrasos, diz ele.
Alguns treinadores trazem sua própria palha para o estábulo, às vezes para mitigar alergias a poeira, mas muitas vezes na tentativa de gerenciar cada detalhe da rotina do cavalo.
“É uma questão de controle”, diz Nicholls, acrescentando que o esporte está repleto de superstições: por exemplo, baias usadas por um vencedor anterior são propriedade popular, e os cavalos costumam usar talismãs da sorte nas rédeas.
Passaportes de cavalo
Para a Copa do Mundo de Dubai, os cavalos pousam no Aeroporto Al Maktoum, nos arredores da cidade, a cerca de 45 minutos de carro do Hipódromo de Meydan, o que permite que os cavalos sejam transferidos facilmente do veículo de transporte terrestre para o estábulo e mitigue ainda mais o risco de lesões.
Uma parte fundamental para colocar e tirar os cavalos da pista o mais rápido possível é a documentação, como passaportes, com a qual empresas como a Equitrans lidam.
“Os cavalos precisam cumprir certos requisitos quando viajam, em termos de residência, talvez para quarentena antes ou depois da chegada, exames de sangue e vacinações”, diz Schäffler. Os cavalos possuem números de microchip exclusivos, que são a principal forma de identificação, mas seu passaporte também indicará sua cor, sexo, raça e marcações exclusivas em um diagrama para ajudar a segurança a identificá-los facilmente.
O sócio fundador da Equitrans, David Robson, estima que o custo de voar nos 82 cavalos para a competição está entre US$ 2,5 e 3,5 milhões.
A grande quantidade de papelada que empresas como a Equitrans passam acelera as verificações de segurança dos cavalos — e torna a viagem relativamente simples para a equipe que viaja para o evento.
“O transporte é bastante fácil para os cavalos de Hong Kong até aqui [Dubai] porque o tempo de quarentena não é muito longo para nós”, diz Toto Wong, comentarista de corrida do Jockey Club de Hong Kong, que viajou para Dubai com a equipe de Hong Kong. Os cavalos de Hong Kong chegaram 11 dias antes da competição, diz Wong, o que lhes dá tempo para se adaptarem ao novo ambiente antes da corrida.
Assim como as pessoas, os cavalos podem sofrer com o fuso horário, embora isso afete alguns mais do que outros. É um dos motivos pelos quais Nicholls recomenda que os cavalos cheguem de duas a três semanas antes da corrida, “para aclimatá-los” — embora para este evento os cavalos ainda chegassem cinco dias antes da corrida, e Nicholls viu cavalos voarem um dia antes da competição.
Enquanto para muitas pessoas a Copa do Mundo de Dubai terminou na noite de sábado, outras como Nicholls e Schäffler só ficam mais ocupadas: os cavalos começaram a voar de volta para casa logo na manhã de domingo (31).
“A maioria deles não se incomoda com isso”, diz Nicholls, acrescentando que, quer viajem na classe econômica ou não, “eles são cuidados como na primeira classe”.
Fonte: CNN Brasil
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