Em meio aos esforços para frear o avanço da dengue e seu causador, o mosquito Aedes aegypti, um vídeo de fumacê de inseticida publicado nas redes sociais deu o que falar. Também conhecido como nebulização espacial, o fumacê nada mais é que uma pulverização feita por veículos enquanto passam pelas ruas das cidades.
Na gravação, feita em Teresina, a fumaça aplicada é tanta que encobre até as pessoas que estavam na calçada. O registro divertiu internautas, mas também levantou a questão: é seguro para a saúde humana e de animais entrar em contato direto com substâncias que são utilizadas como veneno para mosquito?
Vale esclarecer que as fórmulas dos fumacês não são as mesmas dos inseticidas vendidos nos comércios populares. São produtos de uso específico, comprados pelo Governo Federal, que os distribui para os estados e esses para os municípios. Mas, sim, podem fazer mal à saúde, como adverte Waléria Guerreiro, engenheira agrônoma e doutora em toxicologia com agrotóxicos da Afya Jaboatão (PE).
“Embora o fumacê atualmente seja aplicado em baixo volume, indicado e fornecido pelo Ministério da Saúde, é importante evitar o contato direto, pois contém produtos químicos que, embora eficazes na eliminação de mosquitos, em grande quantidade podem ser prejudiciais”, continua Guerreiro.
Entenda os possíveis riscos
Alguns dos efeitos colaterais do fumacê incluem:
- irritação na garganta
- tosse
- dificuldade respiratória
- chiado no peito
- e até mesmo crises de asma em pessoas sensíveis
Caso haja contato com os olhos, pode resultar em:
- irritação
- vermelhidão
- lacrimejamento
- sensação de queimação
- visão turva temporária
A exposição prolongada ou repetida ao fumacê também pode estar associada a problemas neurológicos, como:
- distúrbios do sono
- irritabilidade
- confusão mental
- perda de memória
- e até mesmo danos cerebrais em casos graves
“Pode matar pássaros, plantas e insetos polinizadores benéficos, como abelhas, causando desequilíbrios ecológicos”, alerta Sylvia Lemos Hinrichsen, infectologista e professora na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Hinrichsen continua que o efeito do fumacê dura 30 minutos quando no ar, mas segundo a OMS há evidências de que causaria câncer em animais, o que ainda não foi confirmado em humanos.
“Mais especificamente o malathion, ou malatião, um dos venenos mais utilizados no fumacê, como ainda na agricultura e jardinagem [15,7 mil toneladas só em 2020, segundo a Embrapa]”, diz a médica.
Em 2023, um estudo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) publicado na revista internacional Environmental Pollution descobriu que o produto poderia ainda favorecer desenvolvimento de diabetes gestacional e distúrbios endócrinos.
Como se proteger do fumacê?
Um jato de inseticida lançado por veículo alcança até 50 metros. Com o ir e vir dos agentes de controle de vetores, uma única rua ou quadra pode receber várias aplicações em sequência, criando uma nuvem de gotículas finíssimas em suspensão que não só invade a parte externa das casas, como a interna também.
A orientação dada pelo Ministério da Saúde é para que portas e janelas fiquem abertas durante a aplicação do fumacê, para que os mosquitos adultos que estejam em voo sejam alcançados. Porém, adverte para que pessoas e bichos de estimação sejam retirados, ou busquem proteção, e que alimentos sejam guardados. Geralmente, o fumacê é pulverizado pela manhã, antes do sol forte.
Se entrou em contato e está apresentando sintomas, procure auxílio médico e contacte o Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica).
“Para casos leves, de alergia de vias respiratórias pós-fumacê, inalação com solução fisiológica e uso de antialérgicos comuns costumam resolver bem”, orienta Cicero Matsuyama, otorrinolaringologista pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Em contato com a pele, que pode ficar irritada, lave-a imediatamente com água corrente e sabão e remova as roupas, que devem ir direto para a máquina de lavar.
“Nos olhos, use somente água em abundância, mantendo pálpebras abertas para garantir a remoção completa do produto”, complementa Omar Assae, oftalmologista do Hospital Cema (SP).
Melhor sempre é a precaução
As substâncias dos fumacês costumam ser revistas com bastante frequência, até porque os mosquitos criam resistência com o tempo, tornando-as ineficazes. Atualmente, fórmulas menos tóxicas vêm sendo empregadas, à base de praletrina + imidacloprida (Cielo UVL®) e flupiradifurone + transflutrina (Fludora Co-Max®).
No entanto, ainda assim são indicadas apenas em situações emergenciais (como epidemias, nunca de forma preventiva ou periódica), quando todas as alternativas de controle tiverem sido esgotadas para conter a transmissão das arboviroses urbanas, como são chamadas doenças como dengue, zika e chikungunya.
Por isso, o fumacê, que além de se dissipar rápido no ambiente não atinge as larvas dos mosquitos, não é considerado o método número um para eliminar o Aedes aegypti.
“Ele é utilizado como parte de estratégias integradas, que também incluem medidas preventivas, como eliminação de água parada e criadouros, uso de repelentes e educação pública sobre medidas de proteção contra picadas de mosquitos”, reforça a doutora em toxicologia Waléria Guerreiro.
Fonte: UOL
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