Uma camada de diamantes com até 18 quilômetros (11 milhas) de espessura pode estar escondida abaixo da superfície de Mercúrio, o menor planeta do sistema solar e o mais próximo do sol, de acordo com uma nova pesquisa.
Os diamantes podem ter se formado logo após Mercúrio se consolidar como planeta, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, a partir de uma nuvem de poeira e gás, em um ambiente de alta pressão e alta temperatura. Acredita-se que, nessa época, o jovem planeta tinha uma crosta de grafite flutuando sobre um profundo oceano de magma.
Uma equipe de pesquisadores recriou esse ambiente abrasador em um experimento, com uma máquina chamada prensa de bigorna, normalmente usada para estudar como os materiais se comportam sob pressão extrema, mas também para a produção de diamantes sintéticos.
“É uma grande prensa, que nos permite submeter pequenas amostras à mesma alta pressão e alta temperatura que esperaríamos encontrar nas profundezas do manto de Mercúrio, na fronteira entre o manto e o núcleo”, disse Bernard Charlier, chefe do departamento de geologia da Universidade de Liège, na Bélgica, e coautor de um estudo relatando os achados.
A equipe inseriu uma mistura sintética de elementos, incluindo silício, titânio, magnésio e alumínio, em uma cápsula de grafite, imitando a composição teorizada do interior de Mercúrio em seus primeiros dias.
Os pesquisadores então submeteram a cápsula a pressões quase 70.000 vezes maiores do que as encontradas na superfície da Terra e temperaturas de até 2.000 ºC, replicando as condições provavelmente encontradas perto do núcleo de Mercúrio bilhões de anos atrás.
Depois que a amostra derreteu, os cientistas analisaram as mudanças na química e nos minerais sob um microscópio eletrônico e notaram que a grafite havia se transformado em cristais de diamante.
Esse mecanismo, dizem os pesquisadores, pode não apenas nos dar mais insights sobre os segredos escondidos abaixo da superfície de Mercúrio, mas também sobre a evolução planetária e a estrutura interna de exoplanetas com características semelhantes.
Mercúrio misterioso
Mercúrio é o segundo planeta mais denso, depois da Terra. Um grande núcleo metálico ocupa 85% do raio de Mercúrio, e é também o menos explorado dos planetas rochosos do sistema solar.
A última missão concluída para Mercúrio, a Messenger da Nasa, orbitou o planeta entre março de 2011 e abril de 2015. Também conhecida como a missão de Superfície, Ambiente Espacial, Geoquímica e Mapeamento de Mercúrio, ela reuniu dados sobre a geologia, química e campo magnético do planeta, antes de a nave ficar sem combustível e impactar a superfície.
“Sabe-se que há muito carbono em forma de grafite na superfície de Mercúrio, mas há poucos estudos sobre o interior do planeta”, disse Yanhao Lin, cientista do Centro de Pesquisa Avançada em Ciência e Tecnologia de Alta Pressão em Pequim e coautor do estudo, que apareceu em junho na revista Nature Communications.
“Comparado à Lua ou Marte, sabemos muito pouco sobre Mercúrio, também porque não temos amostras da superfície do planeta”, disse Charlier. Mercúrio é diferente de todos os outros planetas terrestres, acrescentou ele, porque está tão perto do sol e, portanto, tem uma quantidade muito baixa de oxigênio, o que afeta sua química.
Um dos achados da Messenger foi o fato de que Mercúrio é rico em carbono e sua superfície é cinza devido à presença generalizada de grafite, que é uma forma de carbono. Os diamantes também são feitos de carbono puro, formados sob condições específicas de pressão e temperatura. Os pesquisadores queriam ver se esse processo poderia ter ocorrido durante a formação do planeta.
Quando Lin, Charlier e seus colegas estavam preparando o experimento para imitar o interior de Mercúrio logo após a formação do planeta, um elemento crucial era o conhecimento de que o enxofre também está presente em Mercúrio, como evidências de estudos anteriores haviam mostrado. “Descobrimos que as condições são diferentes da Terra porque há muito enxofre em Mercúrio, o que diminuiu o ponto de fusão de nossa amostra”, disse Charlier.
“Ela derreteu completamente a uma temperatura mais baixa comparada a um sistema sem enxofre, o que é bom para a estabilidade do diamante, porque o diamante gosta de alta pressão, mas temperatura mais baixa. E isso é principalmente o que nossos experimentos nos dizem, o oceano de magma de Mercúrio é mais frio do que o esperado, e também mais profundo, como sabemos da reinterpretação de medições geofísicas”, acrescentou, referindo-se a dados também da Messenger.
Esses dois fatores, segundo o estudo, são o que permite a formação dos diamantes.
Diamantes na superfície?
Charlier alerta que a espessura da camada de diamante, entre 15 e 18 quilômetros (9,3 e 11,1 milhas), é apenas uma estimativa, e pode mudar porque o processo de formação dos diamantes continua em andamento, à medida que o núcleo de Mercúrio continua a esfriar.
Também é impossível dizer quão grandes os diamantes individuais podem ser. “Não temos ideia do tamanho deles, mas um diamante é feito apenas de carbono, então eles devem ser semelhantes ao que conhecemos na Terra em termos de composição. Eles se pareceriam com diamantes puros”, disse ele.
Os diamantes poderiam ser minerados algum dia? De acordo com Charlier, isso seria impossível, mesmo com tecnologias futuras mais avançadas, porque eles estão a uma profundidade de cerca de 500 quilômetros (310 milhas). “No entanto, algumas lavas na superfície de Mercúrio foram formadas pela fusão do manto muito profundo. É razoável considerar que esse processo é capaz de trazer alguns diamantes para a superfície, por analogia com o que acontece na Terra”, disse ele.
Esse processo de formação de diamantes pode estar acontecendo em alguns dos exoplanetas que estamos descobrindo em nossa galáxia, explicou Charlier, se sua química também for pobre em oxigênio, como Mercúrio.
“Se um exoplaneta for menor que Mercúrio, a fronteira entre o núcleo e o manto seria muito rasa e a pressão seria muito baixa, impedindo a formação dos diamantes”, disse ele. “Mas um tamanho entre Mercúrio e a Terra, combinado com baixo oxigênio, são condições favoráveis para obter diamantes.”
Os cientistas podem saber mais em breve. Uma missão chamada BepiColombo — composta por duas espaçonaves lançadas em outubro de 2018 — está prevista para entrar na órbita de Mercúrio em dezembro de 2025, após realizar uma série de sobrevoos. A missão, liderada pela Agência Espacial Europeia e pela Agência de Exploração Aeroespacial do Japão, estudará o planeta a partir da órbita e revelará muito mais sobre seu interior e características.
A colaboração é nomeada em homenagem ao cientista italiano Giuseppe “Bepi” Colombo, que inventou a manobra de “assistência gravitacional” rotineiramente usada para enviar sondas a outros planetas.
“BepiColombo pode possivelmente identificar e quantificar o carbono na superfície, mas também se há diamante na superfície ou mais grafite”, disse Charlier. “Isso não era possível com a Messenger, e as medições também serão mais precisas, nos dando melhores estimativas da profundidade da fronteira entre o núcleo e o manto. Poderemos testar nossa hipótese novamente.”
Um passo importante
Sean Solomon, investigador principal da missão Messenger da Nasa para Mercúrio e cientista sênior adjunto da Universidade de Columbia na cidade de Nova York, disse que a pesquisa apresenta “uma ideia interessante”, mas que será um desafio para futuras missões a Mercúrio poder confirmá-la. “Qualquer camada de diamante é profunda e relativamente fina”, disse ele em um e-mail. Solomon não esteve envolvido no estudo.
“A técnica mais promissora é provavelmente a sismologia, porque as velocidades das ondas sísmicas no diamante são muito maiores do que nas rochas do manto ou no material do núcleo, mas as medições sísmicas exigiriam um ou mais landers de longa duração na superfície de Mercúrio”, disse Solomon. BepiColombo, a única missão atualmente planejada para chegar a Mercúrio, originalmente tinha um lander, mas ele foi cortado devido a restrições orçamentárias.
Felipe González, físico teórico do departamento de ciência da Terra e planetária da Universidade da Califórnia, Berkeley, que também não esteve envolvido no trabalho, disse que o estudo representa um passo importante em nossa compreensão dos interiores planetários e como eles se formam e evoluem. Ele também acredita que estudos interdisciplinares como este têm a chave para abordar os complexos problemas que enfrentamos na ciência hoje.
O mecanismo proposto pelo qual essa camada de diamante é formada é plausível, acrescentou González, mas ainda depende amplamente de nossas suposições sobre o interior de Mercúrio.
“Embora bons limites tenham sido estabelecidos ao longo dos anos à medida que estudamos esse planeta mais profundamente, só podemos aproximar sua composição em nossos modelos e experimentos a partir de medições indiretas”, disse ele por e-mail.
“No entanto, este estudo ainda representa o melhor que podemos fazer com o que temos atualmente”, disse González. “Somente futuras missões ao planeta Mercúrio dirão se essas previsões estavam corretas. Por enquanto, podemos nos concentrar em melhorar nossa compreensão dos materiais nessas condições extremas, realizando mais e melhores simulações e experimentos em nossos laboratórios.”
Fonte: CNN Brasil
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