Marcelo Portuga, um dos maiores empresários do funk de São Paulo, se converteu à religião evangélica e vendeu sua produtora para trabalhar só com música cristã. Do passado fica só a fórmula de sucesso que ele quer levar ao gospel.
“Eu renuncio ao meu passado e recomeço por Cristo. Em dez anos de funk, Deus me preparou para agora fazer para Ele. Tudo que aprendi usarei para levar a palavra de Deus”, diz ele ao UOL.
O paulistano de 43 anos, que já levou Kevinho, Kekel, Lan, Dani Russo, Jottapê ao topo das paradas, vendeu sua Portuga Records para a Love Funk, outro grande escritório do setor.
Agora Marcelo é sócio da Novidade Urbana, uma empresa 100% evangélica.
O ‘chamado’
O ex-rei dos MCs funkeiros começou a virada após uma “revelação” há dois anos.
“Perdi meu pai, que era meu maior fã. Isso me machucou muito. Naquele crematório estava tocando a música ‘Casa do Pai’, do Thalles Roberto. Ali eu comecei a ouvir louvor”, conta.
“Um dia o Thalles apareceu na minha sala. Aquilo para mim foi um sinal do meu pai de que eu deveria parar com tudo do funk, porque não fazia mais sentido.”
Thalles Roberto virou seu sócio na Novidade Urbana. Outro parceiro é Marcos Ascena, também ex-empresário de funk de São Paulo, por trás do sucesso do MC Guimê.
‘Game of Thrones’ do funk
Portuga é figura central na história do funk paulista. Começou na produtora GR6, destacou-se como agente de artistas e causou uma “guerra dos tronos” no funk.
Ele migrou para a empresa concorrente, a Kondzilla, e levou junto Kevinho, então grande nome do estilo, e o resto do plantel.
O empresário rompeu com Konrad Dantas, dono da Kondzilla, em 2022 para montar a Portuga Records.
O time era renovado com ajuda do olho de Portuga para achar jovens MCs e DJs em ascensão nas periferias. As letras deles falam de sexo e drogas sem pudor.
Recém-convertido, ele já penava para conciliar a nova fé com o velho trabalho.
“Me incomodavam as letras agressivas, as apologias. Não conseguia postar nas redes. Me sentia peixe fora d’água. Não conseguia nem entrar na empresa. Deus me tocou e entendi o chamado. Não me vejo mais no funk. “-Marcelo Portuga
Estratégias seculares
Ele aplica as estratégias que deram certo no funk: buscar novos talentos na periferia e levar artistas revelados em outras regiões, especialmente do Nordeste, para trabalhar em São Paulo.
A divulgação de artista é intensa nas redes sociais, com foco nos rankings de streaming. Entre os primeiros contratados da Novidade Urbana estão MC Victin e outros jovens que fazem “trap gospel”.
As letras originais do trap, variação pesada do rap, falam sobre sexo, drogas e violência. Eles usam as mesmas bases para cantar sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
A Novidade Urbana também aposta em outras vertentes populares, como o pagode gospel.
“A gente bancou a mudança para São Paulo da banda Marcados. São onze músicos que deixaram suas famílias em São Luiz (MA)”, conta Portuga.
“São meninos que deixam suas cidades e saem da periferia em busca de seus sonhos. Queremos trabalhar com eles do mesmo jeito de antes, em todos os setores: gravadora, distribuidora, editora, agenciamento artístico e publicidade”, diz o empresário.
“Eu sou um cara fissurado por números. Já cheguei a ter, no funk, 10% das músicas no Top 200 do Spotify. Sinto que estava ‘estagiando’. Tudo o que fizemos antes, bilhões no YouTube, agora quero fazer para Ele.”
Ainda são quinze artistas no plantel. Pouco diante de quem já esteve à frente de empresas com centenas de MCs. Mas Portuga prefere assim.
“Até choro de emoção, porque sei tudo que passei nesses anos, não foi fácil. A gente desceu muito. Mas hoje entendo que a felicidade é aqui.”
Fonte: UOL